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Foto: ASCOM8

Bastante esperado, o psicólogo clínico e escritor Rossandro Klinjey foi o principal palestrante da manhã da quinta-feira (18) na programação da IX Semana Institucional da Magistratura do TRT da 8ª Região. Com quase um milhão de seguidores em seu perfil do Instagram, Rossandro conversou com os participantes dentro do contexto do tema da sua apresentação, intitulada “A felicidade não depende do que nos falta”, e convidou todas e todos a refletirem sobre os dilemas da reconstrução das relações a partir da realidade que temos hoje, impactados diretamente pela pandemia do covid-19, que vitimou mais de 600.000 pessoas somente no Brasil.

Para Klinjey, essa realidade de perda poderia trazer dor, porém também traz a todos – magistrados, magistradas e servidores – aprendizado. Ele pontuou que “65 milhões de pessoas morreram em 2019, sendo 700 mil por morte violenta, violência urbana, porém um milhão de pessoas se matou e 25 milhões tentaram se matar. Hoje nós corremos mais risco de morrer dentro do nosso quarto do que numa rua de Bagdá. Os riscos correm muito dentro de nós, do que fora de nós”. Ainda de acordo com ele, a pandemia fez uma intimação, intimou a civilização a repensar, resignificar sua trajetória. “Ela começou a fazer movimento na vida das pessoas, o primeiro luto foi da perda da rotina, de sair, trabalhar, tomar banho no rio. A gente perdeu o universo do contato social. Passamos a ver o tempo, comprar online, e em casa percebemos o excesso de coisas, além do valor das pequenas coisas, tomar o café, levar o filho na escola”, observa o escritor.

Em sua apresentação, ponderou como foi preciso uma pandemia mundial para entendermos que já havia uma pandemia silenciosa de autodestruição, que afeta milhões de pessoas por causa das drogas, álcool, fuga da realidade e encarar a vida com ela é. “Muitas pessoas se assustaram com o que viram no espelho, o seu Eu. Mas a vida é ‘levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima’ e, por favor, não desanima, se reinvente o tempo inteiro”.

O palestrante destacou a experiência gigantesca que vive dentro de nós, a Resiliência, mas muitos estão vivendo a falência dessa resiliência. “Estamos evoluindo, porém vivemos a falência da resiliência e voltamos com marcas, cicatrizes, que vão sugando o rosto da nossa vida. Mas nós voltamos mais fortes. Cada marca é um aprendizado, uma capacidade. Respirar e entregar sempre o nosso melhor. A morte chegou perto da gente, e cada um de nós tínhamos que viver. Quem vai voltar? Como voltaremos? Como será isso? O espelho da vida chegou na sua alma, e muita gente encontrou o que não gostaria se olhando no espelho”, observou Rossandro.

Mas a humanidade tem um histórico de superações quando colocada diante de dilemas mundiais, e a evolução mostra isso.

Para o psicólogo, o momento é de reconstrução, e o caminho deve ser trilhado de forma conjunta, com a disposição de acolher e ouvir o outro com a atenção necessária e natural das relações humanas a serem fortalecidas. “Ninguém posta foto da dor, de uma doença como um câncer. São nesses desertos da vida que a gente se reinventa. Você aprende com alegria e com a dor, você aprende de forma inesquecível, impagável”.

Participante da Semana, a juíza do Trabalho Suzana Maria Lima de Moraes Affonso Carvalho dos Santos, titular da 2ª VT de Parauapebas (PA), parabenizou a EJUD8 por proporcionar esta Semana com temas tão importantes. “Eu me sinto acolhida pela EJUD e por todos os colegas. E, refletindo sobre tudo que o Rossandro falou, nós nunca mais voltamos com o antes, perdemos muitos amigos no Tribunal, colegas, juízes, mas, enquanto isso, somos sobreviventes e temos que ter esse olhar para fora, olhar para o colega e saber que está sentindo, se preocupar com outro”, explicou.

Inclusão e cidadania – Na parte da tarde, a história de vida de Rafael Giguer, auditor fiscal do Trabalho no Rio Grande do Sul, acrescentou um momento especial de compartilhamento de experiências angariadas na trajetória desse profissional que encara os desafios de ser uma pessoa com deficiência visual há 35 anos. “Nunca consegui um emprego na iniciativa privada, minha carteira nunca foi assinada. Quando chegava para uma entrevista só me viam de óculos escuros com a minha bengala”, relata. Ele conta que estudou muito e passou no concurso para ser Fiscal do Trabalho. “Fui para o Acre, trabalhei por dois anos e voltei para o Rio Grande do Sul, e foi com a terapia, maturidade, históricos que eu comecei a enxergar que a função da fiscalização é a inclusão, e não a atuação. Nós da fiscalização de cotas com deficiência fazemos resgate de Cidadania”, pontuou Rafael, que compartilhou em sua fala relatos de pessoas com deficiência que nunca trabalharam, e como familiares vibram com a possibilidade de seu filho ou filha conseguir o primeiro emprego. “É forte, mas já ouvi uma mãe dizendo ‘meu filho vai ser gente, com 25 anos de idade, nunca tinha trabalhado, e agora tem rotina, sai para trabalhar'”, descreve.

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Giguer trouxe para a programação uma fala prática e direta, tratando de um tema fundamental como a inclusão sendo posto com muita desenvoltura e acolhimento, sem deixar de dar o tom do direito que o envolve. Sem citar diretamente um ordenamento jurídico, usou direitos estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal de forma coloquial, como seu estivesse em um bate papo de conhecidos. Para ele, para que a verdadeira inclusão da pessoa com deficiência seja feita, precisamos compreender a importância dos efeitos dessa inclusão na vida de todos que integram a sociedade, e assim viabilizar que essa pessoa tenha acesso ao mundo do trabalho. “As pessoas não são só números, são dignidades, pessoas trabalhando, e somente 8% das pessoas com deficiência estão trabalhando. É através do ato de vocês que as pessoas passam a receber sua dignidade. Essa sociedade merece a dignidade. Tenho escrito relatos que pessoas reais têm limitações, porém todas as pessoas devem ser reconhecidas com dignidade”, pontua.

Na finalização da sua apresentação o auditor lembrou aos participantes sobre a importância da atuação da magistratura trabalhista na observação da construção dessa realidade mais digna quando analisarem questões trazidas para análise. “Convido vocês a junto ter esse coração apurado, sensíveis, que estamos trabalhando com humanos, vocês mudam vidas, mudam o mundo. Que possamos juntos conseguir uma sociedade que a gente quer, com mais dignidade para todos”.

Devido o adiantado da programação, não foi possível a abertura aos debates, mas, após o agradecimento do diretor da EJUD8, desembargador Walter Paro, que disse que o palestrante presenteou a todos com uma grande oportunidade de olhar para si e fazer um importante mergulho de desenvolvimento pessoal, a magistrada Camila Afonso de Nóvoa Cavalcanti, que coordena a Comissão de Acessibilidade e Inclusão do TRT8, agradeceu à EJUD8 pela excelente palestra. A juíza Amanda Cristhian Miléo Gomes de Mendonça afirmou que a palestra foi incrível e que convidou a fazer muitas reflexões.

Cultura e repertório – O encerramento do dia foi com a palestra proferida pelo professor Antônio Carlos Toze, designer estratégico e criativo. Com o tema “Em busca do repertório”, o palestrante, que também é músico erudito, conduziu os participantes a uma trajetória pela evolução da humanidade a partir da sua interrelação. Um grande passeio pelos momentos de transformação da história humana mostrada a partir da evolução da estética, da música, da arquitetura e da arte. “A Cultura muda o nosso olhar e, neste mundo corrido, precisamos criar filtros, pois acabamos não absorvendo tudo. Nós observamos as coisas pelas nossas experiências diárias. Por isso temos que ter nosso repertório, de onde extraímos o nosso conhecimento. A cultura é como uma lente, através da qual a gente enxerga as coisas”, explicou.

Ele ressaltou que devemos ter um filtro para o nosso trabalho, família e para o processo criativo. Temos que ter um conhecimento acumulado ao longo dos séculos. “Somos o que pensamos, lemos, escrevemos, falamos e ouvimos. A partir do nosso repertório, das nossas experiências é possível mudar a nossa realidade”, observa.

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No decorrer de sua apresentação, citou grandes nomes da cultura mundial e brasileira, como: Villa Lobos, Bethoven, Tarsila do Amaral, Bach, Rafael, e ponderou que “é possível sim transformar o mundo, para tanto é preciso ter repertório, conhecimento, cultura para promover essa transformação”, conclui.

A vice diretora da EJUD8, juíza do Trabalho Maria de Nazaré Medeiros Rocha, afirmou que “todas as vezes que ouço o senhor, eu bebo na fonte da cultura. Seu conhecimento colabora com o meu crescimento pessoal e espiritual. A arte, é isso que nos salva, ameniza a dureza da vida”, comemorou. O diretor da EJUD8, desembargador Walter Paro agradeceu ao professor Toze este compartilhamento de repertório com os colegas magistrados e magistradas e destacou que a programação foi construída a partir da participação de todas e todos.

Com a conclusão dos trabalhos do dia, próximo de finalizar a programação da Semana Institucional elaborada pela EJUD8, o fio condutor entre as apresentações ficou demonstrado. A conexão entre as palestras se forma em torno da necessidade de observação da constante evolução das relações humanas, seja na reconstrução da sociedade, seja na forma de ampliar o olhar, e assim ter mais repertório para ver e interagir, e, dessa forma decidir em um formato mais plural, considerando as diversas camadas que formam e fortalecem o tecido social. O encerramento da Semana se aproxima demonstrando que sua função técnica está mais do que cumprida, e vai além, contribuindo para um aprimoramento pessoal e humano de cada participante, possibilitando a construção de um ambiente fomentador de diálogos e debates construtivos e que visam a melhoria da atuação de toda a 8ª Região em benefício da sociedade.