Especialistas debateram sobre questões de gênero, raça, erradicação do trabalho infantil e a preservação do humanismo na era digital.

Mesa de abertura do seminário. (Foto: Felipe Sampaio)

Mesa de abertura do seminário. (Foto: Felipe Sampaio)

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) realizou, nesta terça-feira (29), o Seminário Internacional Direitos Humanos Sociais e Relações de Trabalho. O evento contou com a participação de especialistas do Brasil, Argentina, Portugal e Espanha.

Na abertura do evento, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Lelio Bentes Corrêa, ressaltou que não existe justiça social sem promoção, proteção e a implementação dos direitos humanos, de modo que a noção dos direitos humanos trabalhistas está calcada na dignidade da pessoa humana, especificamente, aquela que vive do trabalho.

“Não há paz sem justiça social, portanto, é imperioso que a magistratura do Trabalho esteja apta a responder às demandas da sociedade por justiça social, na perspectiva da garantia dos direitos humanos e fundamentais do cidadão-trabalhador”, destacou.

O diretor da Enamat, ministro Mauricio Godinho Delgado, destacou que o tema direitos humanos é sensível não apenas para a administração do TST e do CSJT, mas, também, para a sua gestão à frente da Enamat. “A escola nacional se associa a esse esforço de renovação, de civilidade, de progresso e de afirmação do estado democrático de direito”. disse.

Inovação tecnológica

A conferência de abertura tratou sobre “O papel do Direito do Trabalho para a Preservação do Humanismo na Era da Revolução Tecnológica Digital”. O tema foi apresentado pela doutora em Direito Teresa Coelho Moreira, professora auxiliar com agregação da Escola de Direito da Universidade do Minho, em Portugal.

A professora, ao falar sobre o papel do Direito do Trabalho, fez uma contextualização entre o passado e o presente, retomando a motivação de sua criação e as prospecções para o futuro. “Não conseguimos pensar no futuro sem levarmos em conta a origem e finalidade do Direito do Trabalho”, disse. “A inovação tecnológica digital suscita novas questões, nos levando a ter uma legislação trabalhista mais flexível, como nas demandas envolvendo os serviços por aplicativos e plataformas digitais, porém, sem quebrar a espinha dorsal do Direito do Trabalho”, completou.

Questões de gênero

No segundo painel, a ministra do TST Delaíde Miranda Arantes abordou o tema “Direitos Antidiscriminatórios e a Questão de Gênero”. Ao abordar sobre a discriminação no trabalho da mulher no Brasil, a magistrada destacou que as mulheres ocupam 38% dos cargos de liderança e, nas profissões do topo, elas recebem 33% menos.

A ministra explicou também que, entre as dificuldades enfrentadas, está a permanência contínua no mercado, as promoções e as evoluções na carreira. De acordo com ela, mulheres CEOs recebem 50% menos que homens na mesma função e que, no judiciário, a magistratura é composta em sua maioria de magistrados do sexo masculino. Na Justiça do Trabalho, apenas 38% do cargos da magistratura são do sexo feminino e, dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), 11 são presididos por mulheres.

A ministra também apresentou normas nacionais e internacionais de combate à discriminação contra a mulher e destacou que deve haver um olhar da magistratura sobre a discriminação. “Nós, hoje, temos duas recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): uma de julgamento na perspectiva de gênero e outra sobre a aplicação das leis internacionais. É muito importante que a magistratura passe a interpretar e julgar nessa perspectiva”, concluiu.

Questão de raça

A juíza do Trabalho Bárbara de Moraes Ribeiro Soares, mestra em Direito (UFRJ) e coordenadora da Comissão de Estudos Relativos à Questão de Raça da Enamat, falou sobre “Direitos Antidiscriminatórios e a Questão de Raça”. Na apresentação, a magistrada abordou a formação do mercado de trabalho, a parte histórica e a desigualdade no mercado de trabalho, além de destacar sobre como a sociedade aprende a ser racista. Segundo ela, isso influencia e molda o mercado de trabalho e é importante saber a origem desse racismo.

Ela também abordou as violências que os negros sofrem no mercado de trabalho. “Os juízes sabem manejar os instrumentos jurídicos do direito antidiscriminatório, mas o racismo ainda é invisível para muitos juízes porque a magistratura é maioria branca”, disse. “Então trazer à luz esses pontos e mostrar como esse racismo se forma e como ele é invisibilidade na sociedade é fundamental para que a gente possa, efetivamente, utilizar os instrumentos disponíveis pelos direitos antidiscriminatórios”, completou.

Trabalho infantil e a preservação da infância

O ministro do TST Evandro Valadão, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, apresentou o tema “O Papel da Justiça do Trabalho na Erradicação do Trabalho Infantil”. O magistrado deu ênfase ao compromisso da Justiça do Trabalho com uma política pública voltada para o combate ao trabalho infantil. “O trabalho infantil leva a uma tríplice exclusão: exclusão da infância; exclusão dos sonhos e, por isso, do desenvolvimento; e exclusão da velhice, pois não contribui para a seguridade social e se submete à precariedade também na idade avançada”, disse. “Cada um de nós tem, certamente, algo a fazer para erradicar esta grande mazela”.

O magistrado citou ainda os casos em que a infância teve seus direitos violados e citou o atentado da última sexta-feira (25) a duas escolas de Aracruz, no Espírito Santo, onde quatro pessoas morreram e outras 13 ficaram feridas. O ministro citou a carta da mãe de uma das vítimas para o compromisso que todas as instituições sociais têm de proteger as crianças e os adolescentes. “Nós, como sociedade, comunidade, Estado, Poder Judiciário, escolas e família devemos fazer tudo em uma perspectiva de proteção integral e de prioridade absoluta que se deva dar às crianças e aos adolescentes no Brasil”.

Direitos Humanos Sociais e Relações de Trabalho

A professora hispano-argentina Soledad García Muñoz, relatora especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) saudou a oportunidade de as nações trabalharem conjuntamente em prol dos direitos humanos.

Destacou como os direitos humanos são, hoje, considerados atributos inerentes aos seres humanos e esses direitos foram ganhando relevância ao longo da história. Esses direitos foram ganhando relevância ao longo da história, sendo necessários uma série de tratados e constituições até que se criasse enfim a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atualmente, segundo a professora, elas dão relevância “não somente aos direitos civis e políticos, como também aos econômicos, sociais e culturais”.

A professora ressalta também a importância de um direito inserido mais recentemente nesta lista: o ambiental. “É certo que os direitos ambientais apareceram em uma etapa posterior, e também que em um momento de máxima necessidade, em que cobram urgência”, comentou. Para ela, a situação atual do meio-ambiente no mundo inteiro representa “mais do que uma crise ambiental, se trata de uma verdadeira emergência”.

Trabalho x humanismo

O Seminário Internacional Direitos Humanos Sociais e Relações de Trabalho foi encerrado pela conferência do frade dominicano, jornalista e professor Frei Betto. Ele contextualizou o conceito da palavra ‘trabalho’, lembrou como os humanos têm prejudicado a natureza nos últimos 200 anos, e enfatizou que a situação vivida atualmente é de desvalorização e exploração do trabalho em escala global.

“Todos nós somos meros filhos da loteria biológica. Em vez de nós, como privilegiados, encararmos isso como dívida social, vemos os empobrecidos como preguiçosos e sem vontade de melhorar de vida”, disse. “A naturalização das desigualdades é o que cria condições degradantes de trabalho”, enfatizou.

Confira como foi:

MANHÃ

TARDE

Lançamentos

Ao final do evento, foram lançados sete livros de ministros do TST no Salão de Recepções do edifício-sede do Tribunal. São eles:

  • Trabalho, Dignidade e Inclusão Social, do ministro ministro Lelio Bentes Corrêa;
  • Democracia, Sindicalismo e Justiça Social, do ministro Mauricio Godinho Delgado;
  • O Trabalho Contemporâneo e suas dimensões de vulnerabilidade e Direito do Trabalho: curso e discurso, do ministro Augusto César Leite de Carvalho;
  • Danos Extrapatrimoniais nas Relações de Trabalho e Danos Extrapatrimoniais no Direito do Trabalho Brasil/Itália, do ministro Alexandre Agra Belmonte; e
  • Políticas Públicas Judiciárias e Acesso à Justiça, da ministra Morgana de Almeida Richa.

(Andrea Magalhães, Nathália Valente, Ana Luiza Brandão, Juliane Sacerdote/AJ)