Evento reúne especialistas para debater  os desafios da regulação do trabalho em plataformas, a subordinação trabalhista na era digital, entre outros assuntos.

Foto do auditório com a palestrante na mesa

A palestra de abertura foi da professora Veena Dubal, da Universidade da Califórnia (EUA), que abordou o tema “Trabalho plataformizado e dualismos na identidade jurídica do trabalhador”.

O “Seminário Internacional Trabalho Plataformizado e a Preservação do Humanismo na Sociedade Digital” foi realizado nesta terça e quarta-feira (5 e 6 de setembro), no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O evento foi promovido pelo TST, em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat).

A palestra de abertura foi da professora Veena Dubal, da Universidade da Califórnia (EUA), que abordou o tema “Trabalho plataformizado e dualismos na identidade jurídica do trabalhador”. Venna fez um relato de suas pesquisas com abordagens sobre a regulamentação do salario e a discriminação de renda pelos algoritmos. 

Ela destacou que as leis que regem a discriminação precisam ser acionadas e adaptadas a uma relação justa de trabalho. ”É preciso que haja um pagamento igual para o mesmo trabalho, independente de gênero, raça e classe social e a discriminação de renda pelo algoritmo destrói isso”, explicou. “Temos um conflito que envolve o salário e como se pensa o trabalho nas plataformas digitais. Precisamos proteger o trabalhador socialmente”, completou.

Exclusão

A mesa de abertura foi composta ministro Lelio Bentes Corrêa, presidente do TST, que ressaltou que a regulamentação dos serviços em plataformas digitais assume uma maior relevância no contexto brasileiro, onde o número de trabalhadores nestas condições cresce de forma exponencial a cada ano.

“São pessoas que, atualmente, trabalham sem qualquer espécie de proteção jurídica, na mais absoluta informalidade, o que evidencia a urgência dos debates a respeito do tema deste seminário”, disse. “Sabemos que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e  quando examinamos o perfil dos trabalhadores de plataformas podemos perceber que se trata de fatia da população historicamente excluída de condições de trabalho decentes”, completou.

Globalização

O diretor da Enamat, ministro Mauricio Godinho Delgado, também participou da abertura e enfatizou a importância de trazer temas tão atuais para o debate. Segundo ele, a questão das plataformas digitais é um tema desafiador no mundo do trabalho globalizado. 

“Fazemos parte do constitucionalismo  humanista e social e  esperamos  que   o  Direito  possa vir a  dar o tratamento  pertinente a este tema, de modo a fazer com que todas as modernidades, inovações e avanços  não comprometam a proteção do ser humano”. 

Regulação e Precarização 

A professora Renata Dutra, da Universidade de Brasília (UnB), e Abel Santos, Vice-Presidente da Associação dos Trabalhadores por Aplicativos e Motociclistas do DF e Entorno, foram os  debatedores do painel “Desafios da regulação do trabalho em plataformas”.

Segundo a acadêmica, a regulação é uma problemática global e tem sido desafiadora nos mais diversos contextos, em que o trabalho plataformizado ocorre. “É importante refletirmos sobre o significado dessas mudanças de um trabalho controlado por plataformas digitais e como isto tem se revelado um obstáculo para a própria possibilidade da regulação protetiva do trabalho”, disse. “Temos que pensar que essas plataformas são um meio de produção  e não um aparato de gestão”, ressaltou.

Já o representante trabalhadores por aplicativos fez um relato de sua vivência profissional quando se tornou motorista de uma plataforma digital e destacou como esta relação, com o passar do tempo, se precarizou, principalmente com os desafios potencializados pela pandemia. 

A pandemia nos colocou na linha de frente entregando os insumos mais básicos para as pessoas, como comida, água e máscaras”, disse. “Nós estivemos totalmente expostos ao adoecimento e o que mais deixou claro que aquilo não era um trabalho e, sim, uma exploração, foi quando para conseguirmos um vidro de álcool em gel e uma máscara para que pudéssemos ter um mínimo de trabalho seguro. Tivemos que fazer uma união coletiva e irmos para a rua reivindicar”, completou.

Meio produtivo

O ministro do TST Alexandre Agra Belmonte e a professora da UnB Ana Frazão debateram sobre as plataformas digitais e o controle do meio produtivo. O ministro do TST abordou sobre as novas ferramentas que o usuário adquiriu desde o advento do celular e destacou que a flexibilidade do processo produtivo avançou para a multifuncionalidade do trabalhador. 

“O mundo sempre mudou por causa das tecnologias. Daí se conclui que o direito do trabalho surgiu por causa das tecnologias e com ela sempre conviveu. Por causa dela sempre buscou e sempre buscará soluções de relacionamento empresarial, de dignificação do trabalhador e de valorização do trabalho humano para prevenir, compor e afastar a precarização”. 

De acordo com o ministro, o que agora impressiona e tem de diferente em relação ao passado é a velocidade com que essas novas tecnologias se sucedem, causando disrupções que antes levavam séculos, ou ao menos décadas, para que viessem a ocorrer. “Impressiona a velocidade com que ocupações se tornam obsoletas e máquinas substituem o ser humano”, afirmou. “Como eles interagem no momento da produção, levando ao estresse,  ao aumento de doenças profissionais do trabalho, mas, também, ao emprego estrutural, à informalidade, à precarização e ao aumento crescente da desigualdade social”, completou.

Ao falar sobre tecnologia, a professora da Unb destacou que o controle está relacionado ao poder. “Lidar com o poder é uma realidade bastante dinâmica. Alguns autores definem o poder como uma energia, pois ele facilmente se transforma, se transmuda. É muito interessante que o poder econômico se converta em poder tecnológico, informacional e político”.

Subordinação trabalhista

O ministro Mauricio Godinho Delgado, diretor da Enamat, e o ministro do TST Breno Medeiros, abordaram o tema “A subordinação trabalhista na era digital”. Ao explicar sobre o tema, o diretor da Enamat fez um breve histórico sobre a revolução digital e destacou que a revolução industrial estruturou a relação de emprego como a relação principal para o funcionamento do capitalismo. “O capitalismo tem três pilares: o capital; uma estrutura hierárquica de poder no âmbito do trabalho; e a gestão, o poder de  organização, de estruturação, de gestão e de fiscalização”. 

O magistrado ainda destacou que o transporte de coisas e pessoas sempre existiu na humanidade. “O serviço de transporte é tradicional, mas é preciso haver uma organização. Para funcionar, é preciso haver um gestor”. De acordo com ele, a nova forma de transporte precisa de um poder de gestão sofisticado, que avalia a qualidade do serviço prestado de maneira a avaliar o prestígio mercadológico da empresa organizadora desses trabalhadores.

O ministro Breno Medeiros também abordou a revolução industrial e destacou que ela é distribuída em três categorias: a física, como veículos autônomos; a categoria digital (internet das coisas, onde há interação entre pessoas e as coisas através de plataformas e dispositivos conectados que ligam o meio físico ao meio virtual; e a categoria biológica. 

“Com a quarta revolução industrial, passou a ocorrer o trabalho redundante que trata de uma função que se torna dispensável, cuja ausência não interfere na produção, pois foi inteiramente substituída por outro modelo de atividade decorrente das transformações inerentes ao desenvolvimento tecnológico, quando as tarefas vão sendo absorvidas pela inteligência artificial”, disse. O ministro ainda abordou o trabalho 5.0, que nasceu na era digital, e não se amolda perfeitamente às estruturas jurídicas já definidas, devido à conexão que lhe é intrínseca e exsurge de forma mais flexível, demandando normativos próprios ou atualizados.

Comportamento humano

A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Ana Cláudia Moreira Cardoso abordou o tema  “Trabalho plataformizado e controle digital do comportamento humano” na conferencia de encerramento do primeiro dia. De acordo com a docente, as empresas de plataforma são empresas digitais nativas que utilizam da tecnologia de plataforma em todo o processo: gestão do negócio, organização, comunicação e controle do trabalhador. 

Ao tratar sobre a organização, gestão laboral e condições de trabalho, a professora destacou que a empresas definem, por exemplo, direta ou indiretamente, quando o trabalhador é admitido e demitido; no preço do serviço (sua alteração e composição); nos percentuais que as empresas se apropriam mais valor pela exploração do trabalho; e nas taxas pagas por clientes e trabalhadores. 

Ela ainda destacou que essas empresas definem em incentivos, bônus, promoções e descontos; como o trabalho deve ser realizado; na avaliação e critérios; nas sanções e multas onde o trabalhador não sabe o motivo e não pode contra-argumentar; além da forma de comunicação, tempo de trabalho é igual a baixa remuneração,gestão por metas, gamificada e algorítmica”.

Segundo dia

O Seminário Internacional Trabalho Plataformizado e a Preservação do Humanismo na Sociedade Digital continua nesta quarta-feira (6/9).

Veja também: Necessidade de regulação, os desafios da mulher motorista e a atuação sindical marcam último dia de seminário sobre o trabalho plataformizado

(Andrea Magalhães / Nathalia Valente /AJ – Foto: Fellipe Sampaio – Secom/TST)